segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

As mártires da bunda



O Brasil está assistindo o nascimento de um novo tipo de mártires, as mártires da bunda. Há alguns meses uma aluna de uma faculdade particular, Gleyci foi hostilizada por usar um vestido curto. Bem curto. Muito se falou dos agressores, mostrados como selvagens intolerantes, mas pouco ou nada se falou da inconveniência das roupas da moça num ambiente universitário. Não é se de estranhar que em um país onde programas de auditório formam mais a opinião do que livros, quem dite o comportamento dentro de uma universidade seja um apresentador de TV e não um diretor de faculdade.
A outra mártir que apareceu foi a professora Jaqueline, em Salvador. Uma professora de educação infantil, que deixaria Carla Perez envergonhada com sua dança, é a mais nova atração dos programas de auditório. O despreparo dos apresentadores de TV no Brasil demonstram bem por que o país está tão atrás em matéria de ensino e cultura. Será difícil entender que uma professora de ensino infantil não pode aparecer mostrando a calcinha em com um homem a puxando (a calcinha) para cima? Parece que para os apresentadores de TV dos programas de auditório é sim muito difícil entender isso.
Existem condutas que são inconvenientes para algumas profissões. Uma professora não pode ficar expondo publicamente o seu corpo; isso não é hipocrisia, isso é proteger as crianças para quem ela está dando aula. Existem lugares em que não se pode entrar de bermuda ou de saia curta. Isso não é falso moralismo, é saber separar as coisas. O hedonismo brasileiro se mostra doentio e inconseqüente, na medida em que tenta passar por cima de tudo e não respeita nada
Qual a origem disso no Brasil? Talvez a única instituição sagrada ao sul dos trópicos: o sexo. Qualquer um que ousar desafiar o sexo livre no Brasil é logo taxado de hipócrita ou de falso moralista. Por mais escandaloso que seja qualquer comportamento este deve ser respeitado.
Interessante foi ver uma estranha manifestação de estudantes da UnB, em sua maioria provenientes das ciências humanas, que lutavam pelo direito de Gleyci usar sua microsaia. As mesmas feministas que acusam os homens de explorar o corpo da mulher estavam lá protestando pelo direito da mulher de ela mesma explorar seu corpo. Parece que tem gente que nasceu para reclamar.
O que esses dois acontecimentos têm em comum? Ensino e sexualidade. Uma aluna, Gleyci e uma professora, Jaqueline. Duas mártires e dois vilões: os diretores de faculdade e de escola. É claro que num país como o Brasil, pobre, não se recursos, mas de espírito em um embate entre educadores e dançarinas, saem perdendo os educadores. Estudar é coisa de nerd e combater a ignorância é coisa de falso moralista. Balanço geral: prováveis processos contra duas instituições de ensino que não se curvaram a mediocridade e duas prováveis capas da playboy.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Cotas para negros em universidades


Existem assuntos em que uma opinião moderada é vista como a melhor forma de pensar, por representar um equilíbrio e por evitar radicalismos. Existem também questões onde é impossível uma posição conciliatória, sendo exigida dos interlocutores uma postura clara.
Dentre esses assuntos figura um tema polêmico, mas que merece a nossa atenção: as cotas para negros em universidades públicas. Devemos ter em vista, antes de mais nada, que a maioria das pessoas que discutem o assunto são sinceras em suas opiniões e convicções e que os argumentos dos dois lados tem validade.
Existem argumentos válidos e argumentos sem nexo dos dois lados da trincheira. Meu objetivo com esse pequeno post é contribuir com esse debate. Como é de se esperar, escolho um lado e o defendo, sem por isso ofender as mentes discordantes com adjetivos tais como ignorantes, canalhas, burros, cegos. São pontos de vista. Vamos então a mais uma opinião sobre o tema.
É de conhecimento geral que para o Brasil foram trazidos milhões de africanos entre os séculos XVI e o XIX com o fim de serem utilizados para toda a sorte de trabalhos. Esse trabalho era escravo e é importante ressaltar que esses africanos vieram para cá contra sua própria vontade. Ao contrário dos europeus que para cá vieram na busca de uma vida melhor, os africanos para cá trazidos, não pediram para vir, nunca é demais lembrar.
Todos os livros do mundo não abrigariam o relato de todas as maldades que foram perpetradas contra os africanos e afro-descendentes (ou simplesmente negros) que vieram para o Brasil, então tão pouco eu quero descrever os horrores que mais de trezentos anos de escravidão causaram a tantas pessoas.
Ao fim da escravidão, sobrou para essas populações escravizadas uma porteira aberta e uma pretensa liberdade, acompanhadas, quase sempre, de fome, desemprego e, muitas vezes, morte. Depois de séculos de trabalho duro sem recompensa esses negros foram despejados de seus “lares” sem nenhum direito ao fruto do que construíram.
Uma coisa que ninguém duvida é que existe uma grande dívida da sociedade brasileira para com o negro. É fato que hoje no Brasil os negros desfrutam de índices baixos de desenvolvimento social, se comparados aos brancos. Não dá para simplesmente dizer que o fator cor (e não raça) deve ser excluído dessas avaliações. Por mais que nossa sociedade não tenha uma distinção étnica tão nítida como a estadunidense o racismo existe e se manifesta em vários momentos do cotidiano. Declarar que vivemos em uma democracia racial é algo que só um “branco” que nunca sentiu na pele o que é racismo pode afirmar. Não existe democracia racial no Brasil.
Muitos dos que defendem que não deve haver cotas para negros se baseiam nessa premissa. Outros ainda dizem que se forem criadas e mantidas as cotas para negros, aí sim o racismo reinará entre nós. Isso não é verdade. O que causa o racismo no Brasil não é a segregação, mas a disparidade social. O cerne do problema é que o racismo marginaliza o negro e a marginalização do negro renova o racismo, num eterno ciclo vicioso que precisa ser rompido.
O brasileiro precisa se acostumar a ver negros advogados, médicos, dentistas, professores, etc. Isso é de fundamental importância para o combate ao racismo. Precisamos nos acostumar com isso, ver isso. Não adianta dizer que existem oportunidades iguais para todos. Não existem. A baixa auto-estima que o racismo e a miséria causaram a grandes parcelas da população negra no país são as causas, as únicas causas de os negros obterem notas menores nas escolas e conseqüentemente, nos vestibulares. A outra hipótese seria a infeliz crença na superioridade de algumas raças sobre outras. Creio que ninguém hoje advoga tal maligna doutrina.
Um argumento que se ouve muito é que o que deve ser feito é uma política de cotas para alunos provindos de colégios públicos. O que se deve ver aí, entretanto é que tal política seria uma política de combate a pobreza, sendo que as cotas de negros nas universidades públicas são claramente uma política de combate ao racismo. Por favor, não confundamos as coisas. Negros e pobres são coisas diferentes. Essa política visa a proteger e melhorar as condições de vida dos negros. Existem outras políticas de combate a pobreza essa não é uma delas.
Da mesma forma em que os negros vieram à força, sem querer, eles agora devem entrar nas universidades públicas a força. Existe essa dívida e ela deve ser paga, sob pena de perpetuarmos por mais gerações o racismo, a marginalização de muitos dos nossos brasileiros e a violência urbana.