quinta-feira, 15 de abril de 2010

O PNDH-3 e suas contribuições para o nascimento de uma nova direita


Poucas são as vezes em que se vê na política uma jogada tão de mestre que até os adversários são obrigados a ficar quietos por causa do risco de se prejudicarem mais ainda. Exemplo disso foi o golpe da maioridade que os liberais deram no período regencial, durante o Brasil monárquico. Nosso futuro soberano, que ainda não tinha idade para reinar, foi elevado de delfim para imperador pelo grupo dos liberais. Parece uma jogada simples, mas o que há de genial nela é que ninguém podia se interpor ao “golpe da maioridade”, porque era questão de tempo para que Dom Pedro II se tornasse imperador, sendo então incerto o futuro político de tais opositores. Assim os conservadores se viram obrigados a apoiar a manobra política que, ironicamente, daria o poder aos seus oponentes.
Também não é tão comum que certas jogadas gerem um resultado tão diverso do inesperado. Exemplo desse caso foi a tentativa da implantação do Plano Nacional dos Direitos Humanos, o PNDH-3.
A um só tempo o governo conseguiu juntar todos os seus inimigos em uma causa comum e até unir antigos desafetos contra si. O que permitiu isso foi a grande abrangência do documento. O PNDH-3 trata de coisas tão distintas como a invasão de terras, a proteção de minorias e o fim dos símbolos religiosos em repartições públicas. O presidente deveria se lembrar que o que derrubou a República Velha e elevou Getúlio a chefe do executivo foi justamente a existência de muitos inimigos, que apesar de depois abandonarem o caudilho, encontraram na destruição do sistema político oligárquico uma causa única.
Analisemos, pois, alguns dos atores dessa nova direita nascente. Por que falo de uma nova direita se ela é de fato tão velha em nosso país? Porque aqui se trata do casamento de antigas tendências políticas e sociais conservadoras com um novo ator, a bancada evangélica. A conversão de milhões de pessoas ao protestantismo está alterando drasticamente a configuração religiosa brasileira. Das grandes religiões do nosso país, a evangélica é a única que rejeita totalmente o sincretismo e é a que é mais firme no tocante ao combate a promiscuidade e outras formas de desvios sexuais.
Essa nova força política tem se aliado constantemente a grupos conservadores e sobretudo aos católicos, nem tanto pelas afinidades com os aliados, mas principalmente pelas diferenças que tem com os grupos “libertários”. Os chamados libertários, que como exemplo citamos os movimentos GLBTT, as abortivas, as feministas dentre outros, formaram uma aliança, aparentemente inquebrantável, com a velha esquerda. Libertários e trabalhadores trabalhando juntos carregando a bandeira dos excluídos (mas também a dos marginalizados e a dos transgressores).
No PNDH-3 essa aliança é explícita e o muito abraçar mostrou-se novamente pouco afagar, na medida em que a amplitude do documento mexeu com muita gente diferente. Assim, todo o trabalho de décadas que a esquerda teve de provar aos cristãos, e nesse caso mais específico aos evangélicos, que a esquerda não era anticristã está começando a ir por água abaixo. É a própria esquerda que está jogando os evangélicos para a direita.
O estrago só não é maior para a esquerda por causa da inabilidade da direita brasileira de obter dividendos políticos com isso. Enquanto o DEM tem uma política mais clara quanto as “questões morais”, Moral Issues, o PSDB não toma uma atitude clara sobre o assunto. Os tucanos são direita, mas carregam a ilusão de pensar que enganam alguém quando fingem que são de esquerda. Esse dilema existencial do partido só o enfraquece. O povo não tolera a fraqueza e a indecisão. A chamada social democracia brasileira, tem fama de direita naquilo que o povo não admite mais, a não intervenção do Estado na economia e a venda das estatais, mas não é capaz de dizer claramente a que lado pertence em questões morais quando FHC faz vigorosos apelos em prol da liberalização da maconha e Arthur Virgílio apóia o aborto. Se o PSDB continuar nessa indefinição, nessa sua eterna busca por identidade irá perder votos de conservadores e “progressistas” (detesto esse termo tendencioso). Numa eleição esse é o pior dos mundos.
Esse governo só não sofre uma derrota mais humilhante no caso do PNHD-3 por causa da falta de habilidade da oposição de catalisar os danos. Será, sábio da parte desse governo se não repetir a façanha de juntar na mesma arena evangélicos, católicos, ruralistas, militares, imprensa e empresários contra si mesmo. E será sábia a oposição se finalmente se assumir conservadora e evitar ambigüidades que aos olhos do eleitor denotam incoerência ideológica.